(...) compreendi a frase de Hemingway, quando quiseram saber o que é que ele achava da morte e a resposta dele foi: «Outra puta». Porque a morte é sempre uma puta e a uma puta não se pode dar confiança. Uma amiga, que é a minha médica, disse-me: «Tens que aprender a viver com isto.» Não, não tenho. Não tenho que viver com um filho da puta. Eu não vivo com um cabrão, quero destruí-lo, não quero viver com ele. Tenho que ter pulso firme? Tenho que lutar contra aquilo. O cancro habita-me, está dentro de mim. E eu queria portar-me com a mesma dignidade com que acho que me portei na guerra (...). Portanto, o tratamento é como fazer um aborto desse monstro que nos quer destruir. Quando ia às sessões de radioterapia, encontrava pessoas de todas as idades. Lembro-me sobretudo de uma rapariga de 20 anos que usava uma cabeleira postiça. Percebia-se logo que a cabeleira era postiça, mas ela usava-a com tanta dignidade que era como se fosse uma coroa. Uma coroa de rainha. E era, de facto, uma rainha que ali estava (...).
António Lobo Antunes, in Visão, 28-Set-07
Tirado d
aqui. Impressionante a clareza deste homem.
6 comentários:
É único!Acho que dele não me falta ler nada.o ultimo que li era um livro de memórias-conversas com lobo antunes-escrito por uma espanhola,Maria luisa blanco,talvez porque os portugueses andem muito ocupados com os treinadores de futebol,e que é apaixonante!
Do resto...as formas que nós temos de lidar com o inevitável, como que a prolongar a imortalidade, é curiosa...
Maior do que o talento do A. Lobo Antunes, só mesmo o ego...
An, se o Saramago pode, este DEVE! E os olhos? OS OLHOS?
E, já que falamos no ego, porque é que se confunde verborreia sem papas na língua com "eguite"? Porquê??? Tá bem que este não é propriamente um bom exemplo, mas normalmente quem diz o que lhe dá na gana ou é imediatamente catalogado como tendo problemas de ego ou é "artista".
Aqui entre nós (desculpa a ofensa, Ita), gosto ainda mais dele do que do que ele escreve...
(não, não estou a inflacionar os meus próprios comentários; é que de repente lembro-me de outra coisa que quero dizer) - alguém se lembra de uma entrevista que ele deu em directo na tv há anos, em que lhe perguntavam o que ele gostaria de estar a fazer quando o mundo acabasse, e ele respondeu - com ar de quem acha que a pergunta é tão óbvia que raia a idiotice: "amor".
Claro. Como é que não?
Filha... muita água já correu debaixo da ponte depois disso. Eu também o acho genial, mas ninguém o acha mais genial do que ele próprio, que diz a quem o quiser ouvir que é a única pessoa que sabe escrever em Portugal. Enfim...
Baixou a grimpa quando soube que tinha cancro, ficou humilde e desatou a escrever umas crónicas (fantásticas, por sinal!) de fazer chorar as pedras, mas foi só até os médicos lhe dizerem que estava safo. Agora já esqueceu o cagaço e voltou à vaca fria: "sou o maior, tudo o resto é lixo". Estive com ele na Feira do Livro estre ano e assinou-me um livro, ainda estava na fase humilde e simpática. Até se meteu comigo, todo malandreco. Uma honra? Ná, não compro a peça. Só escrito...
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