setembro 15, 2007

E se eu fosse... a Paizinha?

Meu nome é Maria da Paz Sousa Coutinho, mas todo o mundo me chama de Paizinha. Fiz 36 anos domingo passado. Sou brasileira, nordestina e maranhense daqui mesmo, deste povoado esquecido por Deus e pelos políticos, chamado de Barreirinha. Tenho 6 filhos: o Elenilson, a Nayane, o Peba (alcunha para Eleílson), a Nádia, a Erlane e a Nágila. O mais velho tem 17 e a mais nova 10. Sou casada no padre, mas não no registo (custa 100 reais!) e o meu marido, Raimundo, é catador de caranguejo, mas só de vez em quando, porque tem um ombro meio ruim e não é sempre que pode trabalhar. Mas trabalha na nossa roça (a gente planta feijão, milho e mandioca) e em casa, por isso não posso me queixar, tem maridos bem piores, que batem na mulher, gastam tudo em cachaça e não trazem nem um real para casa.

O Raimundo, ao menos, não gosta de festas e nem de beber, a não ser de vez em quando. Há dois anos atrás matou um homem a tiro de caçadeira – mas também ou era ele ou o outro, o defunto era ladrão e maconheiro e ameaçou o Raimundo de morte com um facão; fez até uns cortes no braço dele – mas como ele não tinha cadastro e era pai de família (e porque os meus patrões pagaram um advogado particular...), esteve preso só três meses e voltou para casa. Está bem mais calmo desde essa altura. Ele não é muito esperto – a minha patroa fala que eu dou 10 dele em inteligência – mas é bom homem, gosta dos filhos e trata eles bem (às vezes até cozinha quando eu não tenho tempo de deixar o almoço preparado antes de ir para a fazenda) e eu gosto dele. Fazer o quê, né?

Faz quase 6 anos que eu sou empregada em casa dos portugueses, D. Madalena e Seu Diogo, os donos da fazenda. Ganho 360,00 reais por mês e sou a única mulher do povoado que tem emprego sem ser catando ostras no mangue, que é uma vida muito dura, meu Deus. A minha filha Naiane, de 12 anos, vai de vez em quando catar ostras, quando quer ganhar um dinheirinho extra, mas eu não gosto: é perigoso, ela tá ficando moça e é muito bonita. Um dia desses vai me aparecer grávida e depois como é que é?... D. Madalena sempre me fala que eu tenho que conversar com ela, dar conselhos, explicar sobre gravidez e pílula, mas eu não tenho coragem. Depois vão falar que eu fiz foi ajudar a coisa... Esse povo daqui é muito ruim. Não tem uma menina nesse povoado que chegue aos 15 anos sem ficar grávida, mas parece que cada uma é uma só!

Eu gosto de trabalhar na fazenda. Cuido da casa, rego o jardim, cuido dos cachorros, faço tudo. E os meus patrões confiam em mim quando viajam. E falam até que eu cozinho tão bem quanto a D. Rosa, uma empregada da família da D. Madalena que ela fala que é a melhor cozinheira do mundo. É engraçado, porque a D. Madalena me ensina a receita e eu acabo fazendo melhor do que ela (é ela quem fala!). Ela fala que o meu arroz de pato é tão bom quanto o da D. Rosa. Já sei fazer muita comida portuguesa: pataniscas, massada de peixe, pastéis de bacalhau, peixinhos da horta (esses são engraçados: não tem peixe neles, só vagem), arroz de tomate malandro, pimentos recheados, frango de fricassé, língua de vaca estufada, rolo de carne, bacalhau no forno, tarte de alho francês, empadas de vitela, vol-au-vent de camarão, fiz até um perú recheado de Natal que a D. Madalena falou que tava igualzinho ao da D. Rosa! Bem que eu gostava de conhecer a D. Rosa, pra me ensinar a fazer outras comidas.

O que dá mais trabalho são os cachorros. Eu amo eles do coração, mas são os dois bem encrenqueiros! O Xuruca é o meu xódó: foi o primeiro, é o mais bonzinho. Já o Batata é muito safado! É grande pra caramba, o pessoal do povoado não entende como eu não tenho medo dele. Ora, se eu conheço ele desde pequeno! E eles me respeitam, tanto quanto aos donos. Quer dizer, tem vezes que sim, outras que não. Eles são muito mimados. Já o Gato (o nome dele é Vasco, mas todo o mundo chama ele de Gato mesmo) só faz o que quer, como todo gato. A Maria (tadinha!) é a mais comportada, também é a mais velha e a mais sabida.

Eu gostava mesmo era de conhecer Portugal. D. Madalena sempre me chama pra ver o país dela na televisão, e eu acho bonito pra caramba. Quando a mãe dela era viva, D. Madalena sempre falava que gostava era de poder me embrulhar como um presente e mandar pra mãe, porque sabia que eu cuidaria bem dela. E eu cuidaria mesmo, com certeza! Quem sabe um dia eu ainda vou a Portugal. Se eu não tivesse filhos tão pequenos...

Bom, vou fazer o jantar, os patrões tão chegando...

6 comentários:

Pedro F. Sanchez disse...

Madalena

Esta narrativa da Paizinha é uma delícia que me fez um brilhozinho nos olhos.

Li em voz alta para a Cristina ouvir esta maravilha da pureza de estar na vida.

Dá um beijinho meu à Paizinha deste Tuga de Lisboa que lhe ficou fan.

Beijos também para ti por permitir-nos este momento de felicidade.

Anónimo disse...

Mad,

Esta Paizinha é o máximo!
Mas não me digas que o Raimundo dela é o tal...
Esquece, agora não é por causa dos cunhados com cara de facínora nem das crianças com ranho até às barrigas.
A Paizinha, se calhar merecia melhor... mas eu também e fiquei a gostar tanto dela!

Isto era uma "private joke" das primas, tá bem ?

Beijos
Micas

Maria Feliz disse...

Oh Paizinha, pede à patroa para te fazer um blog! Beijoca especial para ela e para os miudos.

(ai que saudades da comida... hum!!!)

Beijos:)

Mad disse...

A Paizinha manda um grande bêjo a todo o mundo!

PP, ela é a minha melhor amiga desde que cá estou.

Micas, podias vir cá conhecê-la. E não. 90% dos homens daqui são Raimundos. Mas é a fotocópia!

Flor, já pensei nisso...

MRR disse...

Tamo chegando Paizinha.
É isso aí, Diogo e Madalena, acabámos de comprar a passagem de avião para esse paraíso,eu e a Ana, o Kiko Barahona e a Madalena. Os outros comprarão brevemente.
Agora é só fazerem o favor de responder ao mail que vos enviei, marcarem tb uns diazitos de férias e, principalmente, começarem a pensar nas encomendas que querem que vos levemos.
Quanto à Paizinha, só espero que o seu tempero seja tão delicioso quanto a sua crónica.
Até já

Teresa disse...

Como foi que me escapou este post (...) interpreta as reticências como sincera falta de adjectivação à altura, logo em mim, que tanto amo as nossas palavras?

Talvez ainda não nos visitássemos por esta época, e julgo mesmo que não, deve ter sido mais tarde... mas eu li tanto do que tinhas escrito para trás! Como foi que me escapou isto?

Cheguei aqui por uma simples razão: fiz uma busca no teu blogue por "Batata", à procura de retratos dele. Quero interpretar isto já como um sinal, o primeiro. Não percas a fé!