janeiro 17, 2008

Long lost friend

Mais uma vez, uma grande e velha amiga me descobre na internet ao fim de quase 20 anos sem nos vermos. E esta não é uma amiga qualquer (como se isso existisse!): é A amiga, a primeira, a de infância, a do berço.

Fazemos diferença de três meses e vivíamos a menos de 100 metros uma da outra. Fazíamos tudo juntas. Começámos a andar, a gatinhar juntas. Mais tarde aprendemos a ler, a namorar, fomos para o liceu sempre, mas sempre juntas. Parecíamos siamesas. Dormíamos permanentemente em casa uma da outra, às vezes nas duas casas ao mesmo tempo, pelo menos oficialmente, quando íamos a qualquer lado às escondidas dos nossos pais. Ou falávamos noites inteiras horas a fio, de lanterna acesa debaixo dos lençóis. Tivemos as primeiras noções de como se fazem bébes pelos livros didáticos que a mãe dela lhe comprava, que a minha não era nada dessas coisas, e com os que o pai dela tinha escondidos no alto da estante, esses para adultos, nada didáticos. Começámos a fumar juntas, encavalitadas no telhado da minha casa ou à janela do quarto dela. Éramos as melhores amigas do mundo, apesar de sermos quase opostas de feitio. Ela era toda menina, sempre de saias e meias até ao joelho, eu sempre de botins e capote à alentejana. Ela gostava de fazer tricot, eu de jogar ao berlinde. Éramos as duas melhores alunas da turma, mas ela era uma aluna exemplar e aplicada e eu uma baldas, que só não chumbava por faltas por um fio. Ela gostava de filosofia e de psicologia, eu de línguas, português e desenho.

Já no liceu, tivemos as primeiras paixões ao mesmo tempo, por acaso nunca pelo mesmo adolescente imberbe ou professor, apesar de que, se tivesse acontecido, eu ter a certeza que haveríamos de arranjar maneira de o partilhar pacificamente, como fazíamos com tudo o resto. Mas tínhamos gostos diferentes. A grande paixão dela foi um professor com ar de poeta amargurado, que pelo menos teve o mérito de a fazer descobrir o amor pela Filosofia que a envolve até hoje, a minha foi um professor loiro de olhos azuis, lindo de morrer, a quem, por mais que me esforce, não consigo atribuir nenhum mérito.

Depois casámo-nos, eu primeiro, ela depois. A última vez que a vi foi no dia do casamento dela. Eu já vivia em Cascais, ela mudou-se para a Marinha Grande. Nunca mais nos vimos, mas, de quando em quando, íamos sabendo notícias uma da outra. Eu separei-me pouco tempo depois, ela continuou casada por 16 anos, até há dois. A vida dá voltas estranhas e ela sofreu o pão que o diabo amassou. Tanto que, quando a minha Mãe morreu há meses atrás, não lhe contaram, porque ela a adorava e estava na altura numa fase péssima por causa da separação. Aliás, até as nossas mães eram a meias para as duas.

Ontem falámos ao telefone e, assim como nos velhos tempos, foram horas seguidas. Por mim continuava, mas ela tinha que se levantar cedo. No sábado vou almoçar com ela e tenho a certeza que vamos passar a tarde a ver fotografias nossas de fraldas, ou mascaradas (ela de princesa e eu de índia), ou a passear de trenó na Serra da Estrela, ou com ar feliz da vida a posar com os tais professores, e que, como sempre, vamos falar até nos doer a garganta.

11 comentários:

Sofia K. disse...

LINDO!

Miúda, tenho a dizer que o teu texto me comoveu imenso! São esses amigos que podemos não ver nunca e estar anos sem partilhar a vida, mas que estão sempre lá, não é verdade? Hoje almocei com um assim...vemo-nos pouco, mas ainda sabemos adivinhar os sorrisos e os olhares. Lembro-me que há uns anos me ligava e sabia adivinhar na minha voz os dramas adolescentes, ainda hoje o faz, mas com outros dramas! Chorámos juntos muita coisa e rimos mais ainda! Hoje, quando nos vemos, passeamos de mão dada, de braço dado e somos heróis deste mundo, porque juntos nada nos detém! E sei que podemos passar muitos anos longe, passámos quase cinco, mas nada apaga o que já vivemos! Quando nos juntamos a vida é uma festa e o meu dia, um dia em grande! Como hoje! Esses amigos valem tanto a pena…

O texto belíssimo, bem escrito e com mais coração que eu sei lá, mas amei de amar.

Olha a lágrima quase aqui...

beijinhos e parabéns

tcl disse...

olha que coisa mais boa!

u João disse...

Olá! Texto muito bonito sobre a amizade na idade da inocência.
Bom fim de semana

Ervi Mendel disse...

Gostei muito sim senhora! Pena que não haja nenhumas insinuações lésbicas,mesmo que ficcionais, para animar, ainda mais, o meu dia :D

beijinho

Ervi

Cristina disse...

caramba, e ficaram tanto tempo sem se falar???

(bom, eu digo isto e também tenho uma assim...ha 20 anos que não a vejo..)

beijos

João Paulo Cardoso disse...

Ó ervilha escriba!
"Não houve insinuações lésbicas"?!

Como é que pode ser tão pervertido?

O post é sobre a amizade entre duas raparigas que "faziam tudo juntas"!!
Eram amigas do peito!!

Ver aqui algo mais do que uma linda, pura e simples amizade é ter, no mínimo, uma mente tão badalhoca como a minha!

Francamente, tss, tss...

Fatyly disse...

Gostei muito e o ano passado também revi, conversei e passei um dia com o meu melhor amigo de infância. Tivémos 30 anos sem nos vermos, iamos sabendo noticias um do outro e lá está...a verdadeira amizade nunca se esquece.
Voltou a Angola e quando vier iremos matar mais saudades e sobretudo com fotos actualizáveis da nossa terra.

ana v. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ana v. disse...

Ternura de texto, miúda.

Para as cabeças perversas dos rapazes aqui de cima, recomendo urgentemente outras leituras mais sugestivas.

cris disse...

texto lindissimo e comovente, provavelmente pq mexe em coisas q ja vivemos e ficaram esquecidas, no album de fotografias de adolescencia.
Cada vez mais me convenco das vantagens da net, e das redes online de amigos/as, para reencontrar gente importante q vamos "perdendo" ao longo do tempo.
Aproveita bastante - veras q, mm q nao seja como nos velhos tempos, havera novos alicerces, novos temas, novas emocoes a partilhar.

Mad disse...

Ervi e JP, já cá faltava o comentariozinho brejeiro! LOL!

Cris, por incrível que pareça, foi igualzinho ao que era, fora a parvoíce da adolescência que, graças aos deuses, já nos passou.