Uma amiga minha apaixonou-se perdidamente... por uma vista deslumbrante de um apartamento em Lisboa. E apaixonou-se assim como quem cai num buraco no chão, num sítio que ainda na véspera era sólido. Como não a podia comprar, tomou-a emprestada durante uns meses.
Era uma janela altaneira, rasgada sobre a cidade e o Tejo. Com um horizonte líquido, infinito, que se estendia à volta dela. Ouvia-se ao longe o apito cavo dos navios pesados a cruzar a barra, e ao perto a azáfama habitual de um porto onde chegava gente e mercadorias do mundo inteiro.
Onde ela se sentava não existiam paredes, apenas vidro. Um vidro de dez metros. Ao entardecer, já com o sol rasante, a magia era outra. A ponte transformava-se numa estructura encantada, cheia de luzinhas que avançavam vagarosamente em meio às brumas. O rio, durante o dia de um azul banal, igualava-se em cor ao céu e passava por mil tons de laranja cada vez mais escuros. E no momento em que as luzes da cidade se acendiam e que a água ficava mais negra que o céu noturno, apareciam as primeiras estrelas.
O dono da vista, Bruno (vamos chamar-lhe assim) era um playboy. Um playboy barato, mas ainda assim um playboy. Designer (a profissão até tinha pinta...), trabalhava pouco, mas pelo menos era por conta própria. Claro que nunca tinha atrás de um cliente na vida: a mãe, funcionária pública, representava 100% dos seus clientes, facto que ele não gostava muito de mencionar. Ela pintava umas telas e fazia umas exposições, orgulhosamente patrocinadas pelo marido, director de um laboratório farmacêutico de terceira linha. Os avós – uns amores – eram da mais pura (e muito low) casta de Alfama, e todos, sem excepção, apostavam no Bruninho para subir na vida.
Ele, o playboy, tinha dois trunfos. Um por mérito próprio – o tal apartamento, que tinha tido a sorte de conseguir arrematar barato num leilão público – e outro por desígnio de Deus – uma criança deliciosa, filha de uma aventura chamada Cátia Vanessa ou algo no género, mas com um nome inaceitável para as suas ambições sociais, tipo Nelson, Ruben ou coisa que o valha, e que ele muito convenientemente tratava pelo segundo nome. Novo-rico e nada parvo, tinha plena consciência de que o que lhe faltava era exactamente o meio de ascenção social. Como consegui-lo? Através de uma namorada benzoca, sem muito dinheiro, e que ainda se impressionasse com T2 de 300 m2, carros rápidos e jantares caros (ela, por pura pirraça, fazia questão em que o fossem, mas não era fácil: o Bruninho não gostava de abrir os cordões à bolsa). Difícil de conseguir, mas não impossível, para um Bruno da vida, que não era feio de todo, vestia roupas de marca, andava de BMW e até nem primava pela idiotice. Com o tempo, pedia-la-ia em casamento – mulheres não conseguem resistir a um pedido de casamento, certo? Errado.
Ela embriagou-se até não poder mais com a vista para o Tejo e, meses depois, quando achou que já a gravara na memória de tal maneira que a conseguia ver mesmo de olhos fechados, negou redondamente o desesperado pedido de casamento e fugiu a sete pés. O ritual mágico de ver a cidade acordar aos seus pés todas as manhãs fazia-a sonhar com horizontes longínquos, mas daí a casar... só se fosse com a vista.
Ele ainda apareceu algumas vezes à sua porta – umas suplicante, outras armado em parvo –, quando ela (azar dos azares!) tinha acabado de conhecer o amor da sua vida, inteligente, aventureiro, lindo de morrer, pelintra, com quem vive até hoje, e que não possuia uma vista nem sequer apartamento próprio, mas que trazia nos olhos verdes a promessa de a levar pessoalmente aos tais horizontes.
1 comentário:
Lindo, lindo... quem será?
bjs
m'ana
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