junho 21, 2007

A alpinista social

Desde adolescente mostrou uma tenacidade incrível para cumprir à risca os seus objectivos na vida, cedo definidos. Que eram, tout court, A) cultivar um bom círculo de amizades entre as meninas de boas família da região (ela não o era, apesar de dizer a quem a quisesse ouvir que “os avós têm imeeeeensas propriedades no Norte” – mentira...), e B) casar o mais depressa possível com um dos irmãos delas.

Fantasiava com a sua vida futura, casada com um herdeiro de uma família antiga, de preferência titular, viver numa casa de quinta, mandar num exército de criados e gastar pequenas fortunas nos saldos de natal de Londres. Só queria um filho: chegava para lhe assegurar a mesada e mais podiam estragar-lhe a figura. E se por acaso – Deus a livrasse! - se viesse a divorciar, teria provas dos adultérios do marido, para ficar com a casa e esmifrá-lo até ao tutano.

Eu, que era a sua melhor amiga, lembro-me de lhe ouvir estes planos aos dez, doze anos. Aos catorze perdi a paciência e mudei de grupo. Aos quinze, desprezou o rapaz mais bonito do liceu, doido por ela, só porque era um zé-ninguém, e caçava descaradamente um benzoca desengonçado, com óculos fundo-de-garrafa, só porque a família tinha choffeur e pergaminhos.
Aos dezasseis, enfiava-se nos palheiros com os possíveis candidatos, com o fito claro de engravidar e obrigá-los a casar, pretendendo-se inocente e seduzida. Conseguiu-o aos dezassete, mas saiu-lhe o tiro pela culatra e até tareias apanhou do bruto com quem casou. Cá se fazem...

Assim que despachou o primeiro marido, empenhou-se em arranjar outro que lhe pagasse as contas, pois aquele podia ser uma besta mas não era parvo, e deixou-a sem um tostão. Engravidou outra vez, assim que escolheu a próxima vítima, e lá casou. Desta vez jogou pelo seguro e caçou um não tão benzoca, mas mais rico. Mas a coisa também não correu bem, porque, além de mais um filho, este também não lhe deixou muita coisa.

Não a via há anos e encontrei-a no velório da minha Mãe, vestida para matar, olhando em volta com ar apreciador, como um predador avalia um possível terreno de caça. Deve ter agradecido aos céus uma oportunidade daquelas para se fazer íntima da minha família outra vez – e ali tinha a garantia de encontrar o who’s who. Para mais, para velórios não se precisa de convite.

Fez a expressão pesarosa da praxe, deu-me um beijo de pêsames fingidos e, dois segundos depois, em meio a um olhar de soslaio descaradamente avaliador e completamente esquecida de onde estava, disse-me - Ai que giroooo, não a via há que tempos! Mas você tá óooooptima. E diga lá, onde é que foi arranjar um marido tão girooooo? – Quase me ri. Quase.

Como dizia Miss Marple, a natureza humana não muda. Ela foi bonita aos vinte, linda aos trinta e agora, aos quarenta, dá-me um prazer algo mórbido o facto de que está velha, gasta, com rugas, de bronzeado falso comprado no Colombo e com as maõs a tremer - do álcool ou do Prozac, que não tem pinta para mais. É da minha idade e parece que tem mais quinze anos que eu.


Rica, aceite um conselho: o melhor é ir caçar para Madrid, que Portugal é uma aldeia e Lisboa é uma cama grande...

1 comentário:

Maria Feliz disse...

Ai, pára!!!! Estou a rebolar a rir com este texto... E pensar que assisti à cena!
Ainda tenho mais 3 ou 4 para ler...
Eu tenho mais que fazer!

Beijos