maio 14, 2007

Saudades

Penso imensas vezes na ironia de tanta gente invejar o meu estilo de vida. Ai, que giro!, vives no Brasil, num sítio lindo, com um clima óptimo, com uma casa bestial, ao pé do mar, andas de chinelos o dia todo…

Àparte o andar de chinelos o dia todo (assumo que sim, hoje é um caso sério para calçar qualquer sapatito mais decente), não é que não haja coisas fantásticas no Nordeste brasileiro. O clima é fenomenal, as praias são desertas e lindas, estão a vinte minutos de minha casa de barco - não dá para ir de outra maneira, de tão desertas que são… -, as pessoas são afáveis, prestáveis, até servis, e a vida corre mansa, os dias arrastam-se um atrás do outro. Não há sombra de trânsito, fila no supermercado, pressa seja para o que fôr, e manda-se fazer tudo, quando não se sabe fazer ou não se tem pachorra ou, pura e simplesmente, não apetece levantar o rabo do sofá nem para ir buscar um cinzeiro.

Há tempo para tudo. Para relembrar o ponto cruz, o crochet e o tricot aprendidos com a Avó, para fazer pão, queijo fresco, chouriços caseiros, rissóis, croquettes, pastéis de massa tenra, massa folhada à séria, daquela que se faz dobrando mil vezes a massa com um milhão de bocadinhos muito pequeninos de margarina para folhados…, patê de foie-gras com vinho do Porto (também à séria, com pato mesmo, daquele que é engordado a milho), a cabeça de xara, o toucinho do céu da Gitú, os coscorões das Tias, os sonhos da Rosa (bem me podia dar a receita certa, porque os meus não têm nada a ver) e mais um milhão de receitas de família escritas por tantas mãos diferentes em todos os centímetros quadrados disponíveis, que decifro a duras penas, no Pantagruel velhinho, de edição numerada e ainda assinada à mão pela autora, que fanei à minha Mãe quando decidi atravessar o oceano (corro risco de vida no dia em que as minhas irmãs descobrirem).

E aqui é que está “O” busílis. Tenho tanto tempo para tirar prazer da vida que levo, da casa que tenho, do Batata, do Xuruca, da Maria e do Vasco, os meus cães e gato adorados (passe o sacrilégio, juro que não eram mais meus filhos se os tivesse parido), do oxigénio puríssimo que respiro, do jardim absurdamente grande que tenho, da vida calma…

…e só me lembro das coisas que deixei para trás.

As giestas e as papoilas a bordear as estradas do campo, as roseiras, de que, não sei porque trauma, não me lembrava que fossem tão assombrosamente lindas, o cheiro incrível da terra mesmo quando não chove há mais de um mês, o pinheirinho bravo que era da minha altura quando eu era miúda e que já tem mais de vinte metros de altura, as sardinheiras que nem à lei da bala consigo plantar no Brasil…

Ai, ai… saudades.

9 comentários:

Anónimo disse...

É sempre um prazer ler os teus escritos!
Jura que mesmo "tendo mais que fazer" arranjas um tempinho para continuar...
bjos

João Paulo Cardoso disse...

Será uma licença sabática?

Uma privilegiada embaixadora portuguesa no Maranhão?

Estou curioso...

E se as saudades tornarem-se maiores do que um pinheirinho bravo, ligue-se à net.

Beijos.

Mad disse...

Ita,
Pode ser que te convenças a fazer um blog. Isto parece bem mais interessante do que mandar e-mails...

JP,
Infelizmente não é licença sabática. Talvez - a minha amigona aí de cima pode confirmar - daqui a uns tempos largos, eu escreva sobre isso. Mas agora não.

Obrigada pelo convite, mas não espere muita assididuidade...

Também espero continuar a lê-lo.

1 abraço.

Mad disse...

ooops!
"assiduidade", queria eu dizer.

Maria Feliz disse...

Miga,
Vais ter de me contar o que aconteceu ao Pongo:(
E "apresentar-me" o Batata e o Vasco! (agora há gatos?)
Também tenho saudades! Dos beijos de bom dia que o Xuruca dava à minha pequena... lembras-te?!

Beijo grande

Anónimo disse...

Bravo, maninha! Tardou mas arrecadou... então tenho concorrência?
Vês, quando se fica meio inconsciente e se esquece que alguêm pode ler-nos, saem coisas giras! Quem sabe lanças um livro no Brasil antes de mim?

Bjs
M´Ana

Mad disse...

O Batata é o Rottweiler de 10 meses mais giro do planeta e o Vasco é o meu gato. Foi um problemazito de ratos que só foi resolvido com controle biológico....

O Ponguinho, um Grand Danois arlequim lindo de morrer, morreu há 1 ano e meio. Chorámos durante uma semana.

Mad disse...

M'Ana,

You got to be kidding me!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Maria Feliz disse...

:( estás a ver como necessitamos urgentemente de um update à vida uma da outra?!?

E já agora: não se acreditem nesta intruja! Ela tem uma vida FAN-TÁS-TI-CA!! Eu estive lá. Comprovadíssimo:)

Beijos