novembro 14, 2008

Crónica de uma morte anunciada

É a coisa mais engraçada que eu vi na vida. O mais meigo, o mais brincalhão, o mais palhaço. Mimado até ao tutano. Comecei a adorá-lo pelo telefone ainda antes de o conhecer, tinha palmo e meio de comprimento, e tive de o mandar buscar logo, sem esperar a data previamente acertada, tal foi a pressa para lhe ver a expressão. Chegou a rir, com aquela cara preta e bem disposta, os olhos vivos e brilhantes, o nariz eternamente molhado e a língua cor-de-rosa sempre de banda. Peguei nele ao colo e deu-me imediatamente cem beijos seguidos - reconhecimento filial... - e mais daria, se o pai não ficasse com inveja e não o tivesse roubado para ter o seu quinhão. Logo na primeira noite, dormiu a sono solto sem incomodar ninguém, dentro de um caixote ao lado da nossa cama, enrolado a princípio numa t-shirt minha que largou rapidamente - é calorento desde pequenino. E incomodar para quê? Sabia que tinha chegado a casa.

Ninguém diria, com tanto pulo e tanta alegria, mas já era doente. Tinha as pernocas de trás fraquinhas, pouco tempo depois descobrimos que tinha uma displasia das mais graves. Mesmo antes de começar os remédios diários (que ainda hoje toma e que engole como se fossem chocolates), raramente se queixava. Teve algumas dores enquanto crescia - porque cresceu à velocidade do som - mas que graças aos deuses lhe passaram quando atingiu o tamanho máximo, 60 kilos, mais coisa menos coisa, que isto de tentar pesar um bicho deste tamanho (e com este feitio) é quase impossível. Não que a displasia o tivesse atrapalhado nos meses seguintes, nos mergulhos no canal (nadar era o melhor desporto para ele e o pai nadava com ele religiosamente duas vezes por dia), nos passeios diários aos viveiros e nas perseguições incansáveis a tudo o que mexesse à volta da casa.

Feito de mel e açúcar quanto estava conosco - sempre a tentar subir para o nosso colo (olha quem, que pesava quase o mesmo que o pai) e para os sofás, onde se sentava a ver televisão com o rabo assente nas almofadas e as patas da frente no chão, como se fosse uma pessoa - era obviamente péssimo guarda. Valia-nos o aspecto dele, grande, preto e feio, nos dizeres dos vizinhos, que morriam de medo dele. Graças a ele e aos manos, não fomos assaltados em oito anos, e não me lembro de fechar alguma vez as janelas, quanto mais as portas.

Enfim, com as avarias que conhecem, chegou a Portugal há pouco mais de dois meses e meio. Gosta tanto de frio - está, porque quer, sempre na rua ou na corrente de ar (na tal porta do páteo de trás), que não sei como aguentou o clima tropical por dois anos. Verdade seja dita, um dos seus lugares preferidos na casa brasileira era o meu chuveiro de chão de pedra. Caiu (deixaram-no cair, os filhos da puta) da rampa do avião, assustou metade do pessoal da TAP, ou lá o que é (e devia ter mordido uns quantos), e adaptou-se às mil maravilhas ao clima do Ribatejo, à mudança repentina de temperatura (que a mim me lixou as costas, mas a ele deliciou-o), aos vizinhos (que se derretiam com a meiguice de uma besta deste tamanho), à família (lambeu tudo o que era primo/a - tenho oito sobrinhos - e tio/a - são quatro locais), às escadas (coisa que nunca tinha visto na vida), à Fum, a cadela que era da minha Mãe e agora é da minha irmã, por quem se apaixonou à primeira vista, etc, etc, etc. Até lambeu o veterinário, que hoje lhe proferiu a sentença de morte.

batata

Sim, que o meu mais novo, o Batata (Táta, Tatinha, Táta Fita, Bébé, Bécos, Béquinhos, Caganita Dum Cão) morre provavelmente segunda-feira. E eu não consigo parar de chorar.

17 comentários:

Patti disse...

Ai Mad, lamento imenso. E essa sentença é terrível de gerir, sei porque passei pelo mesmo.
Eu fiquei com a minha até ao último minuto, para 'guardar' tudo e dar-lhe o que pudesse, para ela levar para o céu dos animais e se lembrar de mim, como eu me lembro ainda dela. Todos os dias.

Parece disparate...
Xi apertado para ele.

Raquel A. disse...

Sinto muito mesmo!

BJS*

Su disse...

Não tenho palavras... só um beijo...

Diabba disse...

oh porra, que não devia ter lido isto.

oh miuda, estou a chorar contigo.

beijo

Alf disse...

Que merda. A morte não se decreta.

Um abraço.

Anónimo disse...

Querida Mad
Sabes que passei pelo mesmo e tive que assistir.. custa muito, mas tens que ter força!
Beijinho grande para vocês e para o Batatinha que é tão meiguinho.

Safira disse...

Cheguei aqui através da Teresa da Gota, e não posso sair sem deixar um beijinho solidário. Sinto muito...

CGM disse...

:(

Um beijinho, que momento tão dificil...

CGM

Pedro disse...

Um abraço

Unknown disse...

Beijo grande!

Diabba disse...

Preciso de falar contigo.

Por favor manda-me um mail (como compreendes não posso colocar o meu nº de telf aqui)

diabbba@gmail.com

(diabba com 3 B's)

beijo

Maria Feliz disse...

=(((
Abracinho apertado.

Leonor disse...

Oh, que horror :(
Um beijo grande, Mad

Teresa disse...

Não percas a esperança... ainda não...

Grande beijo.

Rachel disse...

Ó f***-se, nem quero acreditar.
Olha, estou chocada.

Bjs grandes e muita força.

Pôrra, que nó na garganta, que vontade de chorar...

[Ariana Aragão] disse...

Um beijinho.

@na disse...

Abraço apertado :(