A uns metros abaixo, o meu amor e o irmão - são tão cúmplices, e tão, mas tão bonitos estes dois! - pintam de verniz o deck de madeira que serve de atracadouro ao barco e de praia improvisada para adultos e crianças. Na outra margem deste braço de água, está um barco com um tripulante solitário, que preguiçosamente pesca - ou pensa na vida, como eu - há mais de três horas.
Cheguei tarde a esta minha família emprestada, mas sinto-me como se aqui tivesse nascido. Por coisas da vida, vivo fora há quase seis anos, e conheço quase só de ouvir falar esta família do meu amor, que me acolhe hoje como se eu tivesse chegado no tempo normal. Também eles me conhecem quase só de ouvir falar, e de conversas ao telefone durante estes seis anos.
À minha volta, pinheiros de dez metros de altura, balançam-se ao som cristalino das gargalhadas felizes da minha sogra, que, só por ela, é um espetáculo à parte. Tendo perdido a minha mãe há menos de três semanas, é nela que encontro o outro porto seguro de que provavelmente virei a precisar. Sinto calma, paz, alegria e amor, muito amor. Esqueço-me da dor, da solidão, da insegurança - agora sou oficialmente órfã de pai e mãe. Sei que a minha sogra está cá, com o seu coração gigantesco, a sua eterna e inesgotável boa disposição, a sua força incrível de matriarca de uma família enorme e forçosamente problemática, como todas as famílias grandes, que ela lidera de uma forma leve mas inexorável. A Vó Iaiá (como lhe chamam os netos) tem quase 60 anos, mas parece uma miúda, loira, de olhos muito azuis, linda, com aquela gargalhada impossível de descrever, que parece aquele riso dobrado dos bebés quando vêem a mãe ou sinos a repicar numa manhã de inverno ensolarada. O resto da família é a condizer, mas ela é especial.
À minha frente, do outro lado da água, três montes gémeos no formato servem de moldura natural a esta casa de pedra. Baixos e redondos, diferem apenas no tipo de vegetação: o da esquerda foi limpo e deixa ver a terra cor-de-laranja dos degraus, pontilhado aqui e ali por algum pinheiro mais vetusto que escapou à inevitável plantação de eucaliptos, agora cortados; o do meio, mesmo à minha frente, está completamente coberto de eucaliptos ainda muito jovens para serem cortados; o da direita é o mais bonito, ainda virgem na sua cobertura cerrada de pinheiros bravos, antigos, ilustres, orgulhosos de estarem ainda ali, mas provavelmente conscientes da sua precária situação - afinal de contas, só restam eles da maioria dos montes ao redor, e, quem sabe, apenas porque o dono não precisou de os trocar por um carro novo.
Foi assim o meu fim-de-semana alentejano. Perfeito, como para me lembrar que volto ao Brasil depois de amanhã, de volta ao trabalho, à vida do dia-a-dia. Só terei outro fim-de-semana como este no próximo ano, com sorte. Até lá, vou lembrar-me deste.
11 comentários:
Tou triste:(
Por te ires embora?! Naaaa...
Foi mesmo por ter perdido o que tu sabes! Apetece-me insultar-te, mas parece mal!
Beijos
Liiiiiindo, maninha!
Continua a escrever, tás aqui tás a publicar qualquer coisa. E não mudes muito de estilo nem tentes complicar: assim, completamente espontâneo e sem erros de ortografia (o que é raríssimo, nos tempos que correm)é que és tu mesma.
Todo o meu apoio.
E cá vos espero para o jantar de despedida (que palavra estúpida...)
bjs
Ahh... pois! O que escreveste? Lindo mesmo! Faço minhas as palavras da mana.
Mas estou-te com um pó...:(
A Ana que não se ponha a pau, que a Madalena ultrapassa-a num instante.
Estava aqui a ler e já espreguiçava-me por todo o lado, dengosa e desesperadamente à procura de uma Sericaia daquelas com ameixas em cima, ou então um pratinho de caracóis e umas imperiais fresquinhas...
Barragem de Santa Clara. Vou apontar.
Beijos.
JP, tu realmente sabes o que é bom! Uma sericaia? E umas queijadinhas de Évora? E uma encharcada? E uns travesseiros da Piriquita? E... Ai, ai...
Vocês mimam-me demais, eu já avisei. E vou amanhã embora, por isso, posts... agora só de 15 em 15 dias.
Beijos a todos e obrigado por me tornarem a primeira parte desta estadia suportável.
lindo!
sendo assim, estás perdoada pela ausencia...
vai dando noticias
bjos
Barragem de Santa Clara... transborda de energia e boas emoções. Grandes férias e fins-de-semana aí passados, com o Pedro e com o Diogo, entre uma churrascada e um mergulho nas águas frescas, ou mesmo de um copo de medronho bebido num trago. A calma e a alma deste paraíso contam já muitas histórias, mas nunca me esquecerei do meu primeiro passeio nocturno de barco pelos braços da barragem, com o silêncio a abafar o barulho do motor e a lua a mostrar-nos contornos nunca antes vistos. O Pedro Salgado ao leme, mostrando a perícia dos "velhos" lobos-do-mar e a fome que nos foi consumindo as forças, que às duas da manhã nos "obrigou" a cozinhar uma inolvidável açorda de marisco.
Que tenham chegado bem ao Maranhão e que as sardinheiras peguem desta vez!
Olá, Cenoura!
Parece que nos vamos encontrar bastante por aqui. Posso ver que tu, mais que qualquer outro, sabe do que eu estava a falar neste post...
Também já vi que a maluca da minha amiga Flora já está íntima de vocês todos. Ainda bem. Ela é boa gente. Em todos os sentidos (eh eh eh)!
Bjs,
Mad:
Amiga, a ver se a gente se entende: QUE TRETA É ESSA DE DIZER QUE EU JÁ SOU INTIMA DELES TODOS???!!!
Eu aqui a (tentar) manter a compustura, a ver se convenço alguém de que sou uma tipa decente e vens-me tu estragar a pose?!?
P'lo amor da Santa!!!
E Santa Clara conheço mal, só lá fui uma vez e estava nevoeiro:(
Bejufas
Mais uma coisinha: ESTÁS A CHAMAR MALUCA A QUEM, pá?!
Olha-me esta...;)
Santa Clara ...:-):-):-):-):-)
A barragem de Santa Clara e a Casa dos Salgadinhos é um local de culto para todos nós ;-) fins de semana fantasticos num local que é dificil descrever pela sua energia e o seu estado virgem e selvagem... :-)
O nascer do sol é de ir ás lagrimas, assim como uma bela pescaria ao fim do dia no barco com uma grade de minis ... os patos a cagados enormes, as cobras de agua que passam entre as pernas quando estamos a espera de sair dentro de agua para fazer ski brrrrrr ;-) a àguia que parece estar sempre a vigiar-nos para nós não estragarmos a beleza daquele sitio e o belo passeio de barco nocturno hummmm acabando tudo a jogar cartas no alpendre a comer o que pescamos com o reflexo da lua nas aguas paradas ..... é a delicia de qualquer um ;-)
Um grande Beijinho para ti Madalena e um forte abraço ao Preto de Saudades.
Abreijos
Joca e João Maria
Ps- O Meu filho ainda não tem 2,5 m mas para lá caminha coitadinho he he he e é lindoooo de morrer um amor de pessoa e o meu companheiro de sempre ;-)
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